11 de janeiro de 2012

Gata

Eu tinha cerca de 10 anos, as datas nunca foram precisas. Ela meio que apareceu do nada. Foi durante um aniversário da minha mãe, atraída pela boa conversa ou então pelo cheiro do churrasco, aquela esfomeada criatura surgia do meio das sombras para trazer luz a minha vida.
Eu até então só tinha tido cachorros, ótimos companheiros, mas nunca tinha tido contato com um gato. E ela lançou a magia em mim, ficou no meio da festa, no meio de gente desconhecida e de dois pirralhos que não queriam largá-la. Nos outros anos dificilmente ela fez algo parecido, era quieta, ameaçadora e administrava bem seu território. Parecia que não comemorávamos o aniversário, mas sim a chegada dela. O filho da amiga da minha mãe queria levá-la, mas não a levou. Minha mãe também não a queria, ou pelo menos não mostrou muita vontade, na verdade não me recordo bem. Porém a gata foi persistente, voltou constantemente para nossa casa nos dias, semanas, meses seguintes.
A primeira vez que veio para casa.
Ela havia sido do meu primo, que é meu vizinho, mas viveu boa parte do tempo na rua e assim estava a mais de um ano. Porém ela achou algo na gente... Ela nos escolheu.
Começou a visitar nossa casa para comer, mas nunca ficava muito. Ai veio a primeira ninhada, 4 criaturinhas parecidas com elas, ficamos com um, o Tigrão. 
Tigrão permaneceu conosco, mas nosso pai não queria que tivéssemos "gatos pestiados", e nos deu um gato siamês, o Mimoso. Assim a Gata -somos criativos para nomes- foi a porta de entrada para um novo mundo animal na minha casa. Tigrão e Mimoso viveram sua infância juntos, cresceram juntos e aprontaram muito, até que um dia Tigrão nunca mais apareceu. Eu tinha 12 anos.
Dois presentes que a Gata nos proporcionou
Um pouco tempo depois compramos o Fofo, uma bola cinza de pelo persa. A Gata continuava vindo se alimentar, mas nunca dormia aqui em casa, podia estar chovendo ou fazendo muito frio, não importava, ela preferia a liberdade das ruas ou então preferia não viver perto do meu pai, que a essa altura odiava qualquer animal que tivéssemos. Apesar de ficar pouco tempo em casa ou no pátio ela sempre mandou nos outros gatos e mesmo nos cachorros, tinha um espírito de soberana e não deixava que nenhum se aproximasse.
Ai vieram a segunda e terceira ninhada e enfim a castração.
Enquanto o tempo ia passando e eu ia vendo minha infância ficar para trás, a Gata estava por ali e por aqui, ficava tempos sem aparecer, mas sempre voltava. No ano passado ela apareceu com uma ferida no nariz, algum tempo depois descobrimos que não se tratava de uma briga, mas sim de um câncer. A partir dali ela não nos largou mais, passou a dormir em casa e sair de dia.
Depois era todo o tempo nos acompanhando, quando estava mais disposta ela saia e ficava alguns dias fora, sabe-se lá onde. Mesmo assim ela sempre esteve relativamente bem. 
Porém nos últimos dias estava com mais pus, sangue e um grande buraco na cara, que fedia e fazia barulho quando ela respirava. Estava sendo difícil até comer e cada vez mais o tumor se aproximava dos seus lindos olhos amarelados. Ela foi ficando mais quietinha e menos grudada na gente. Os últimos dias de intenso calor a afastaram do meu quarto e da minha cama que tanto a confortou no inverno.
Meu raio de luz estava esvaecendo e precisávamos aliviar seu sofrimento, não foi fácil... Arrastamos a decisão de sacrificá-la o máximo que podemos, nossa casa e rotina já estava um pouco alterada para cuidar dela e agora é estranho ver a sala sem suas cobertas, comida e água... E claro, sem ela.
Os pelos caindo por causa do calor, a respiração afetada, as patinhas bem brancas... Assim ela estava no último dia. Sentirei imensas saudades dela, que foi minha amiga, minha confidente e minha protetora durante longos anos, os mais alegres e duros anos, os da adolescência. Sentirei saudade de seus miados estridentes, dela correndo quando ouvia minha voz, de suas garras perfurando minha pele para um gerar um colo mais macio ao seu reconfortante sono diante do computador.
Ela vai nos perdoar por termos a levado para a morte mais cedo, assim eu espero. Logo nos encotraremos novamente e enquanto isso não ocorre continuarei a procurando pelos seus cantos favoritos, onde ela buscava apenas um lugar ao sol.


Eu só queria desabafar e contar um pouco sobre esse grande ser que me acompanhou e que tanto me modificou, não queria deixá-la sem voz, silenciada para sempre. Desculpem qualquer coisa. Agradeço a minha mãe e minha irmã que muito mais fortes que eu cuidaram tão bem dela e me propiciaram uma das ações mais corretas e bonitas que tive, cuidar de um animal de rua.

"Nós deixamos eles entrarem. Acabamos com as pulgas e os carrapatos. Damos comida. Levamos ao Veterinário. Pagamos a vacina e - humilhação após humilhação - mandamos, então, castrar ou esterilizar. E eles ficam conosco, por alguns meses, ou por um ano, ou para sempre."
Neil Gaiman, o Preço.


2 comentários:

  1. Quem nunca teve um animalzinho, com todo respeito, não sabe o que amar!
    Parabéns por tanto amor! Deus abençoe!

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    1. Obrigado Terezinha, desde então perdi mais dois gatos - ambos no ano passado. Temos agora três novos, todos adotados. Além disso cuidados de todos gatos da nossa rua que são cerca de uns 10. A gata foi muito importante para abrir meu amor pelos gatos.
      Chorei novamente lendo este texto, gostaria muito que ela estivesse aqui agora. ;(

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